profecias e milagres




Por Leonardo Gonçalves
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Talvez nem todos saibam, mas eu sou missionário, e por causa dessa vocação, vivo no exterior, no país vizinho: Peru, onde nasce o rio Amazonas. Por esse motivo, não tenho muito contato com a igreja brasileira, exceto por meio de canais de televisão e pela internet. Contudo, o pouco que vejo é suficiente para respaldar-me em minha indignação e justificar as constantes denúncias no Pulpito Cristão e aqui no Genizah.
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Anteontem, antes de dormir, liguei o televisor em um canal brasileiro, justamente na hora em que um antigo militante apologista – que virou a casaca há alguns anos – pronunciava alguns impropérios teológicos, defendendo uma falsa teologia enxertada no cristianismo na segunda metáde do século passado. Esse pregador, que antes vociferava com autoridade contra os modismos e heresias neopentecostais, agora repete chavões patenteados por Kenneth Hagin, Kenyon e Benny Hinn:
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“Eu sou profeta de Deus e estou liberando uma palavra para você!”, dizia ele, como se o simples fato de pronunciar algo pudesse produzir qualquer efeito na vida de quem quer que seja, à parte da influência psicológica que essas filosofias de auto-ajuda exercem sobre aqueles que as ouvem. Ademais, a Bíblia não diz que temos o direito de profetizar a quem quer que seja sem a ordem de Deus. “porque a profecia nunca foi produzida por vontade de homem algum, mas os homens santos de Deus falaram inspirados pelo Espírito Santo” (2Pe 1.21). Ora, essa história de “eu profetizo agora”, e “profetiza para o irmão que está do teu lado” não passa de uma tremenda arrogância! Além disso, esses profetizadores coletivos se esquecem da pergunta de Paulo aos coríntios: “São todos profetas?” (1Co 12.29). Se Paulo diz que nem todos receberam o dom de profecia, como justificar essa profetizagem grupal no meio evangélico? Nada justifica o que esses líderes estão fazendo. Isso é enganar o povo; é manipular, e nada mais.
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“Eu libero uma palavra de multiplicação e milagres financeiros sobre a tua vida!” dizia o ex-bigodudo, ex-ortodoxo, e ex-apologista, certamente inspirado pelo papai Hagin, ícone da teologia da prosperidade, e nas teologias do Erro Erro Soares e do Pedir Maiscedo.
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Os teólogos neo-pentecostais afirmam que há uma diferença entre os vocábulos gregos logos e rhema, e dizem que se liberarmos uma palavra rhema, essa palavra vai se materializar em algo bom em nossas vidas. Concernente a essa heresia, o Dr. Russel Shedd [¹] – uma das maiores autoridades em Novo Testamento no Brasil – faz uma observação importante. Ele comenta que o apóstolo Pedro não fez distinção entre estes dois termos quando escreveu 1 Pedro 1:23-25:
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“...Pois fostes regenerados, não de semente corruptível, mas de incorruptível, mediante a palavra (logos) de Deus, a qual vive e é permanente. Pois toda a carne é como a erva, e toda a sua glória como a flor da erva; seca-se a erva, e cai a sua flor; a palavra (rhema) do Senhor, porém, permanece eternamente. Ora, esta é a palavra (rhema) que vos foi evangelizada”.
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Esta passagem é uma citação de Isaías 40:6-8. Na Septuaginta, a versão grega do Antigo Testamento, o termo grego para "palavra" no versículo 8 é rhema, ficando assim confirmada a despreocupação de Pedro em usar tanto um termo quanto o outro como sinônimos. Essa história de liberar uma palavra, seja ela logos ou rhema, é uma invencionice moderna, mas muitos pregadores – tanto tradicionais quanto pentecostais – têm embarcado nessa canoa furada.
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E o pregador continuou: “Eu declaro o milagre sobre a sua vida!” – crendo ele ser a boca de Deus na terra. E ainda: “eu te abençôo!”, ignorando completamente que o costume de abençoar na primeira pessoa do singular ficou restrito ao A.T., e que não há uma única menção de que essa prática seguiu nos dias neotestamentários. Nem Paulo, nem Pedro, nem Tiago e nem nenhum outro apóstolo teve essa autoridade enquanto estiveram na terra, mas esses “super-ungidos” – talvez por possuirem uma autoridade maior que a dos apóstolos, ou uma revelação superior àquela que está inserida na Bíblia - vão além do que está escrito, fazendo uma tremenda lambança em rede nacional.
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Logo depois desse show neopentecostal, apareceu um cantor evangélico, com a seguinte letra:
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“Bendito serei na terra... Bendito serei...” Até aí tudo bem, pois ainda que eu não goste desses hinos onde tudo começa com "EU", dessa vez tenho que concordar com o cantor. Somos realmente abençoados com todas as bençãos espirituais nos lugares celestiais em Cristo (Ef 1.3). Por causa disso, ao ouvir a letra da canção, pensei: “Aleluia! Nem tudo está perdido”. Mas aí o cantor continuou: “Quando eu profetizar, sei que a minha voz será a voz de Deus!”, emporcalhando a letra que estava tão bonita.
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Foram apenas dez minutos de programação pós-pentecostal, determinando bençãos aqui, liberando uma palavrinha ali e profetizando sobre as vidas acolá. Depois disso, desliguei o televisor e fui dormir, com a certeza que uma boa noie de descanso seria muito mais edificante para mim, do que assistir um pregador de modismos deturpando a Palavra de Deus.
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É com muita tristeza que escrevo essa pequena nota, pois esse pregador foi um referencial na minha juventude, e hoje o vejo totalmente vendido à telogia da prosperidade, anunciando o falso dogma do “deus vassalo”. Sinceramente, queria muito dizer que assisti a um programa evangelistico de primeira, mas infelizmente o que eu vi foi apenas psicologia de quinta.
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Que Deus nos livre dessa teologia fajuta. Prefiro a simplicidade do evangelho, que não promete riquezas na terra, mas garante um tesouro no céu. O evangelho de Cristo, que é poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê.


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1. Russel Shedd, citado em: Super Crentes: O evangelho segundo Kanneth Hagin, Valnice Milhomens e os profetas da prosperidade, ed. Mundo Cristão.

Via: Genizah

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